Terça-Feira 23/04/2024 23:44

Trabalho de detentos reduz déficit na indústria e muda realidade de prisões

Estado - Social - Mudando a Realidade

Foto: Cleber Gellio

Perder a liberdade, sobreviver em celas superlotadas e ver a mesma rotina de solidão e sofrimento se repetir por anos e até décadas é a realidade de quem cometeu um crime e paga por isso. São em presídios de todo o Estado, locais onde as pessoas pagam pelos erros do passado, que nos últimos anos está surgindo a contribuição para diminuir um problema do presente.

Em Mato Grosso do Sul, no ano de 2014, o setor da indústria precisa de pelo menos 4,3 mil novos operários e a solução para que este déficit não se torne ainda maior está dentro das penitenciárias.

Projetos criados pela administração pública e tocados em frente por empresas privadas proporcionam a detentos, homens e mulheres de bom comportamento, uma nova realidade dentro dos presídios. São iniciativas que ensinam uma profissão, ocupam a cabeça de quem tem tempo de sobra para pensar no futuro e trazem à tona histórias de superação e mudança de vida.

Segundo dados da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), atualmente 2.795 detentos dos regimes fechado e semiaberto desempenham atividades remuneradas em todo o Estado. São parcerias com 169 empresas privadas, a maioria delas do setor industrial.

No último levantamento divulgado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) no início do ano, sobre a falta de mão de obra no setor, até 2015, será necessária a contratação de 8,6 mil novos profissionais para as indústrias e o trabalho desenvolvido nos presídios contribui para que esse número não aumente ainda mais.

Suprir a demanda de trabalhadores com mão de obra especializada vinda de dentro dos presídios é uma experiência que o empresário campo-grandense Edson Germano, 52 anos, vive há 9 anos.

Proprietário da Agosto Uniformes e um dos primeiros do Estado a acreditar na ideia de oferecer novas possibilidades aos detentos, ele contabiliza o sucesso da parceria e convive com histórias de vidas transformadas pelo trabalho.

Só na fábrica dele, dos 120 funcionários, 20 são detentas do regime semiaberto que cumprem o expediente comum dos outros trabalhadores. Além disso, Edson tem um galpão e máquinas instaladas no Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi e parte das 20 mil peças produzidas por mês vêm de dentro do estabelecimento penal.

“Eu sempre pensei no social e criei esse projeto para profissionalizar as presas. Fiz um investimento alto na época, construí um galpão no presídio, reformei a parte elétrica e coloquei 50 máquinas de costura. Começamos a ensinar pessoas que não sabiam nada, nunca tinham sentado em uma mesa de costura. Eu sempre tive o pensamento de que as pessoas que querem mudar, de um jeito ou de outro elas mudam”, diz o empresário.

Para começar a trabalhar dentro do presídio, as detentas passam por triagem e precisam ter bom comportamento, há funcionários da fábrica orientando o trabalho todos os dias.

As peças produzidas passam pelo mesmo setor de qualidade das peças que saem de dentro da fábrica e o resultado é animador. “Claro que às vezes uma ou outra peça volta, mas em geral elas são muito caprichosas”, diz Edson.

Satisfeito com o trabalho desenvolvido dentro das penitenciárias e diante da falta de mão de obra especializada para atuar na fábrica, Edson firmou uma nova parceria com a Agepen e começou a oferecer trabalho para as detentas do presídio semiaberto feminino, localizado na Vila Maciel. Todos os dias, 20 detentas saem do estabelecimento no início do dia para trabalhar na fábrica na Avenida Coronel Antonino.

No fim do dia, depois de 8 horas de serviço, elas retornam ao presídio onde ainda cumprem penas pelos crimes que cometeram. As mulheres recebem um salário mínino e o mais importante para elas é que a cada três dias trabalhados, um é reduzido da pena.

Histórias de mulheres detentas gratas pela oportunidade dada pela Agosto Uniformes são inúmeras, mas o que chama a atenção é que atualmente 10 ex-detentas que passaram pelo aprendizado dentro do presídio e depois conseguiram a oportunidade de trabalhar na própria fábrica foram contratadas pela empresa. Elas começaram uma nova vida e hoje cuidam dos filhos e sustentam as casas.

Maria Aparecida Soares, 55, saiu do regime semiaberto há 5 anos depois de uma condenação de 17 anos por tráfico de drogas. Hoje ela faz parte do rol de ex-dententas que conseguiram uma oportunidade de ter a carteira assinada.

“Eu fui a primeira ex-detenta contratada aqui dentro e tenho orgulho disso. Se todos pudessem ter essa profissionalização dentro da cadeia, sairiam pessoas melhores, mudadas de verdade”, diz.

Recuperada e uma das profissionais mais queridas da empresa, a mulher, que sustentou sete filhos e conseguiu pagar a faculdade de dois deles com o salário da confecção, lembra os primeiros passos na profissão quando ainda estava no presídio.

“Eu conheci o trabalho no semiaberto, comecei a vir para cá todos os dias e aprender tudo. É uma luta, não é fácil, mas fui muito bem acolhida por todos e hoje sei que mudei de vida por essa oportunidade”, ressalta.

Seguindo o exemplo de Maria, Sueli Beatriz Flores, 36, também pôde mudar de vida. “Se você quiser mudar de vida lá dentro, é um bom caminho. Quando eu fui para o semiaberto, já vim trabalhar aqui na empresa. Hoje eu tenho carteira assinada, tenho família e consigo sustentar meus filhos. Só tenho a agradecer por tudo isso”, conta a ex-detenta que saiu do presídio há três anos.

Suor e esperança

Outra indústria que conseguiu resolver o problema da falta de operários e ofereceu uma transformação de vida para os detentos é o curtume Qually Peles, localizado no Núceo Industrial de Campo Grande. Dos 80 funcionários da empresa, 26 são detentos do regime semiaberto que aprenderam uma nova função e ainda conquistaram a confiança necessária para novos desafios.

Gerente de produção do curtume, Bento Lemes confessa que, em agosto do ano passado, quando a ideia foi trazida pela direção da fábrica, não houve aceitação total dos empregados. “Nós ficamos com medo quando soubemos que eles viriam, pensávamos que iriam trazer bandidos para trabalhar com a gente. Mas depois que eles começaram e vimos o trabalho, o medo passou”, relembra.

O projeto que começou com 10 detentos e hoje já tem o dobro de operários vindos do presídio semiaberto. “Eles são ótimas pessoas que entram às 7 horas e saem às 17 horas e não trazem problemas para a empresa. São homens trabalhadores que preferem ficar aqui do que trancados”, afirma.

Diariamente, os detentos chegam ao curtume em um ônibus custeado pela própria empresa. Eles assinam uma folha de presença quando chegam e quando vão embora. Após seis meses de trabalho, eles ganham uma cesta básica por mês, além do salário mínimo e da tão sonhada redução de pena a cada três dias trabalhados.

Roberto Pereira de Oliveira, 35, foi detento da Máxima condenado a 5 anos de prisão por tráfico de drogas. Ele está há 3 anos e 9 meses preso e aguarda a liberdade condicional para voltar a Corumbá, cidade onde vivem a mulher e os filhos de 7 e 11 anos.

O detento que, assim como os outros 25 colegas de trabalhos dormem no presídio, começou a trabalhar no curtume no dia 18 de novembro de 2013. “Eu nunca esqueço essa data, comecei estudando e pelo bom comportamento me deram essa oportunidade. Não é nada fácil a vida de preso, mas nós temos que pagar nossos erros e aqui deixamos a cabeça livre de pensamentos ruins”.

Com o trabalho de retirar o couro wet blue da prensa de secagem, já pronto para ser embalado, Roberto recebe um salário de R$ 800, incluindo a cesta básica e os vales. Todo o dinheiro é depositado para a mulher que cuida dos filhos enquanto ele não volta para casa. E é pensando nas crianças que o detento se esforça para cumprir cada jornada de trabalho.

“Em um dia de visita, eu entreguei uma foto minha trabalhando para minha mulher levar para os meninos. Ela me contou que quando eles viram, choraram. Isso é o que importa para mim, eles se orgulharem do meu trabalho”, explica Roberto que lembra que ter calma foi uma das lições que o trabalho no curtume trouxe para ele.

Edilson da Silva Lima, 41, condenado a 4 anos e 6 meses por tráfico de drogas é outro que concentra as energias no curtume. Depois de um ano no presídio de segurança Máxima, o detento regrediu ao regime semiaberto e começou a trabalhar no curtume em agosto de 2013.

Morador das Moreninhas e com mulher e filhos para sustentar, o mecânico viu a vida estável que levava mudar do dia para noite depois de uma batida policial. “Eu caí na cadeia e achei que minha vida tinha acabado, mas foi quando tive a oportunidade de trabalhar e vi que poderia ter uma nova chance”.

Hoje Edilson trabalha como apontador das produções diárias da fábrica. Ele precisa anotar as dimensões e o número de cada peça de couro produzida.

Eles nos tratam muito bem aqui, mando todo o meu salário para a família e só penso que a cada três dias do meu trabalho, é um a menos na minha pena. Essa é uma oportunidade ótima porque na cadeia temos poucos períodos de sol e aqui podemos interagir e ocupar a cabeça o dia todo”, enumera as vantagens. 

A ansiedade do detento agora é pelo dia de sair em liberdade condicional. Ele espera que em breve o processo tenha uma definição e que ele possa, definitivamente, começar uma vida diferente fora da cadeia. “Vou montar uma oficina e esquecer dessa vida. Já prometi para minha filha que cadeia nunca mais, minha vida já mudou”, planeja.

Trancados a sete chaves

Além dos projetos que proporcionam aos detentos do semiaberto o trabalho fora da cadeia, há iniciativas criadas para melhorar a condição de vida dentro dos presídios de todo o Estado. Um deles é o (IPCG) Instituto Penal de Campo Grande que abriga 1.250 detentos, desse total, mais de 260 desempenham funções remuneradas, principalmente, para o setor industrial.

Diretor substituto da unidade, Aud de Oliveira Chaves conta que assim como o que ocorre no semiaberto, a triagem para selecionar os detentos é exigente, mas que o resultado é digno de comemoração.

“Os presos passam por uma seleção, tem que ser bem disciplinado, sempre damos preferência aos que estudam aqui dentro e também o preso precisa estar condenado, não pode estar aguardando julgamento para participar das atividades de trabalho. Eles ganham a redução de pena, porque o importante para eles é sair daqui, o dinheiro importa bem menos”.

Entre as atividades desenvolvidas nos galpões do presísio estão a montagem de estruturas metálicas para construção civil, padaria, fábrica de cortinas, produção de tijolos ecológicos e beneficiamento de crinas e mandioca. A jornada dos internos é de, no mínimo, 6 e no máximo 8 horas por dia e pelo trabalho eles recebem ¾ do salário mínimo, aproximadamente R$ 544,50.

“Para nós, é muito importante qualificar o interno porque assim ele se torna menos uma ameaça para a sociedade quando sair daqui. O grande ponto importante é que um preso que tem algo a perder, não comete indisciplina porque ele sabe que pode perder os benefícios”, completa Aud.

Setor que sempre convive com defasagem de operários, a construção civil é um dos beneficiados pelo trabalho dos presos. Uma empresa que comercializa ferragens para construções encaminha ao presídio a demanda e em poucos dias tudo volta para as casas e prédios levantados em toda a cidade.

O detento João Leite, 39, é coordenador do setor de produção das estruturas de ferro e explica que são 22 internos envolvidos no processo. “Um engenheiro ligado à empresa parceira repassa para a gente a quantidade de armações, o tamanho e nós fazemos. São em média 100 armações por dia e é mais uma oportunidade para a gente mudar de vida”, diz.

Condenado por tráfico de drogas e preso há dois anos e sete meses, Nilo Cunha, 50, é o responsável pela produção de tijolos ecológicos na unidade. Parte da produção que sai do presídio é vendida para o mercado externo e outra parte repassada para a ACPF (Associação Cristã Pais e Filhos), entidades de parentes dos detentos que constroem casas para as famílias.

“É importante esse trabalho pra gente, o dinheiro é bom, mas o que mais importa é a redução da nossa pena. Eu já diminuí um ano trabalhando aqui e só penso em um futuro melhor para mim, para minha mulher e os dois filhos. No trabalho com os tijolos ecológicos, a gente consegue tirar uns R$ 450 por mês. Tem que trabalhar e manter a mente ocupada mesmo”, desabafa Nilo.

Capacitação

Além da oportunidade de uma nova vida por meio do trabalho desenvolvido dentro das penitenciárias, o setor da indústria ainda contribui para a mudança com cursos profissionalizantes oferecidos pelo Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).

De acordo com o diretor regional do órgão, Jaime Elias Verruck, durante todo o ano passado e em parceria com os presídios, foram oferecidos cursos para 415 internos dos regimes fechado e semiaberto de todo o Estado. Desse total, 134 concluíram as capacitações e conseguiram os diplomas.

“Os cursos são de qualidade e buscam, principalmente, desenvolver programas integrados em educação profissional, visando a transformação da profissionalização em uma via de geração de renda e emprego para detentos em fase de socialização”, diz Jaime.

Entre os cursos oferecidos estão eletricista, costura industrial, pedreiro, soldador e pintor de obra. Aliado aos ensinamentos repassados por instrutores do Senai e o trabalho dentro ou fora das celas, no caso do regime semiaberto, os detentos conquistam independência e confiança, condição determinante para o futuro fora das grades.

Aliny Mary Dias/Campo Grande News/JE

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