A economia da troca de favores (parte III)
Brasil - Opinião - Uma Realidade
Por Agnaldo Holanda*
(Nos textos anteriores mencionamos uma tendência, em determinados lugares, de as pessoas a tudo quererem agregar um “favor”, para cobrá-lo mais tarde [mesmo que o favor de fato não exista], fazendo a vida prática girar em torno dos favores; e depois abordamos os efeitos maléficos disso: visando acumular créditos, ou senão para pagar favores recebidos, o indivíduo muitas vezes deixa corromper seu senso ético, cometendo injustiças e realizando favorecimentos desleais. E quando essa prática ultrapassa os limites do individual e se instala na esfera do coletivo?)
O leitor e leitora, de certo modo, já têm a resposta à pergunta retórica feita acima. Porque sabemos que instituições, entidades, empresas, entes jurídicos de forma geral, todos eles não existem por si só: há pessoas por trás, ou à frente, no comando. Uma grande empresa ou entidade de grande porte costuma ter na liderança um presidente, um gestor. É essa pessoa que determina o norte, o parâmetro a seguir, o regime de comportamento e de atitudes a adotar pelos demais integrantes. De modo que, estando essa pessoa no papel de líder imiscuída na economia da troca de favores, é indiscutível que procurará pôr por a estrutura da instituição, entidade ou empresa que comanda a serviço desse seu círculo – que costuma ser grande.
Exemplificando, digamos que em uma cidade interiorana exista um órgão público para distribui pães entre a população. Sim, uma padaria municipal. A população é composta de 10 mil habitantes, mas a produção diária dessa padaria é de 3 mil pães. E não há critérios mais definidos sobre quem pode ter acesso ao pão grátis – basta ir até a padaria, cada habitante pode retirar 1 pão, assinar o livro e isso até acabar o último pão, no horário limite das 10 da manhã.
A economia da troca de favores, vigorando entre os indivíduos, faz com que os funcionários do forno e do balcão, por exemplo, criem hábitos escusos de (a) reservar os melhores pães para aqueles seus conhecidos; (b) burlar eventualmente as regras, concedendo mais de um pão a um só indivíduo; (c) beneficiar um ou outro do seu círculo, quando a pessoa chega ao local passando já das 10 horas, horário limite; (d) facilitar as coisas para alguém “furar” a fila. Em termos gerais, quem entre nós nunca teve a decepção de, esperando pacientemente em um órgão público ou afim, ver chegar uma figura cara-de-pau e furar a fila, porque um tem um amigo ou conhecido que trabalha ali e lhe facilita isso?
Voltando: O encarregado, chefe ou gerente dessa padaria municipal, por sua vez, participa dessa economia de troca de favores, em primeiro lugar, tolerando complacentemente os desvios de conduta dos seus subalternos – ele ganha, com isso, moedas em favores para descontar futuramente desses mesmos subalternos; e estes ficam “devendo favor” ao chefe. Mas esse encarregado da padaria municipal também participa da economia em nível exterior à padaria: Ele pode, entre outras coisas, estabelecer contratos fraudulentos com fornecedores, prestadores de serviço – em princípio não para tirar disso vantagem pecuniária (obter dinheiro para si); talvez o faça para o fornecedor (para o qual deve favor) restabelecer fundo de caixa, sanar problemas financeiros para o fornecedor se manter no mercado e continuar vendendo produtos ou matéria-prima à padaria. A alegação do gerente da padaria nesse caso, seja para si próprio, para sua consciência, para a família que acompanha suas ações... é de que ele não está “roubando” – apenas retribuindo um favor.
O leitor e a leitora, que não são nada bobos eu sei, já percebem o que no fim das contas isso acaba representando ou aonde isso tudo termina descambando, não é mesmo? Corrupção, jeitinho, suborno, concussão, prevaricação, e por aí vai, cada termo aplicado a um caso específico, mas todos eles semelhantes em seu âmago: beneficiar a uns em detrimento de outros, quase sempre em favor de um amigo, ou amigo de um amigo, ou porque em razão da prática costumeira outras pessoas ficaram sabendo e de um momento para outro a amizade ou o débito em favores já deixou de ser requisito – mas o desvio de conduta, mesmo mediante paga, aos olhos de quem o comete ainda parece um favor que possa futuramente ser cobrado.
Agora, imaginemos que, digamos, dez indivíduos interligados por essa economia de troca de favores, devedores e credores entre si de favores de pequeno ou de grande vulto, se instalem na direção de importantes instituições de uma cidade, ou de um estado, ou de um país? Significa só prejuízo para a sociedade. São aqueles casos em que braços de instituições nobres como Promotoria de Justiça e Tribunal de Contas se unem para prejudicar um ou outro candidato a cargo público, porque há favores em jogo em relação ao candidato adversário; delegacias de polícia e entes públicos se aliam a uma empresa para acobertar irregularidades, quando não com o apoio direcionador de um poderoso órgão de imprensa. Vejam, por exemplo, o recente caso da destruição de um vilarejo em Mariana (MG) – a cobertura da imprensa só passou a atribuir um mínimo de culpa à empresa mineradora após a enxurrada de manifestações nas redes sociais (maior ainda que a enxurrada de lama que a empresa deixou vazar). Adivinha o que está por trás da criminosa falha, em manter uma mineradora funcionando mesmo com a recomendação do Ministério Público para que parassem as operações, dados os riscos de desabamento iminente das barragens? Favores e favores.
Enfim, quero concluir que a economia da troca de favores pode parecer inocente de início, mas no fundo é grande motivadora do desrespeito aos direitos individuais e coletivos. É ela que está no cerne de muitos crimes contra o interesse popular. Trata-se, no fundo, de um verdadeiro mal que a sociedade precisa combater, muito mais que os próprios crimes.
Como fazer isso em locais em que desde sempre tudo é calcado no coronelismo, no toma-lá-dá-cá, em que todos querem ser os protegidos, como é por exemplo aqui na nossa região? Boa pergunta. Mas há várias respostas. E todas elas levam à ação. Você já pensou bem sobre isso?
(Foto - Lama após rompimento da barragem em Mariana -MG) : “É a lama, é a lama...”, já dizia a letra de uma famosa canção. A economia da troca de favores está por trás de acidentes como o no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG).
*Agnaldo Holanda: Formado em Letras Clássicas pela USP, escreve e lê por gosto e ofício: atua como redator e editor. É aluno concluinte de Direito na UEMS-Paranaíba; reside em Aparecida do Taboado. Contato: agnaldoholanda@gmail.com.
Autor / Mshoje.com
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