Sexta-Feira 19/04/2024 09:08

Com respeito ao culto religioso

Estado - Opinião - Direito e Religião

* por Agnaldo Holanda

O sujeito rouba uma moto, mas é surpreendido pela polícia, que sai em seu encalço. Durante a perseguição, acelerando pelas vias centrais da cidade, o suspeito tem uma ideia para escapar da lei: parar o veículo em frente a uma igreja católica e misturar-se entre os devotos que assistem à missa. Assim o faz, e adentra esbaforido no templo religioso, chamando a atenção de alguns fiéis, mas de um deles em especial: o delegado da cidade, católico, que nesse instante toca um instrumento ali na parte mais elevada onde fica o coral. Nesse momento os policiais militares entram na igreja, no intuito de prender o fora da lei, que é facilmente rendido e algemado com o auxílio do delegado da polícia civil.

Pode parecer até uma cena de filme de comédia, mas isso realmente aconteceu, em Aparecida do Taboado, e há pouco tempo – os detalhes, só quem presenciou sabe contar; eu mesmo só tomei conhecimento por uma breve nota de jornal. “Muito azar do ladrão”, afirmou o colunista Auci Fernandes sobre o fato. Os policiais desempenharam sua função de polícia, recuperaram o patrimônio de um cidadão e prenderam um criminoso para que a justiça seja feita pela instância competente, o juiz e os tribunais. Ok.  Quero, no entanto, lançar luz sobre outro aspecto do fato: o respeito ao culto religioso.

Diz o nosso Código Penal, em seu

“TÍTULO V – DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

CAPÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Art. 208 – [...] impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso [...]:

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.”

Pelo texto da lei ficamos cientes de que a prática religiosa por excelência, o culto, deve ser respeitado, não só no caso da missa católica, mas de todas as demais religiões existentes: cultos evangélicos, sessões de candomblé e umbanda, reuniões de espiritismo, budismo, xintoísmo, entre outras. E vem a pergunta: no episódio descrito no início do texto, houve desrespeito ao culto religioso que estava sendo realizado? E, se houve, foi por parte do delinquente? Dos policiais? Ou de ambas as partes?   

(Início do Salmo 91: “Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará”. Teria o suspeito se lembrado do trecho bíblico, ao entrar na igreja?)

Penso que o suspeito cometeu sim, desrespeito ao culto. Tudo bem que a igreja católica, talvez por ser instituição antiga e presente no mundo todo, tenha o hábito de manter abertas as portas de seus templos durante a maior parte do dia e da noite; com isso, inúmeros católicos pouco assíduos ou simples curiosos volta e meia entram na igreja, em horário de missa ou não, para se ajoelhar piamente e rezar um pouco, ou só ficar ali, absorvendo a aura do lugar. Assim, com um público também muito variado, não é raro ver em uma igreja católica indivíduos mal trajados, alguns até maltrapilhos, alimentando sua devoção estando por perto de pessoas em roupas de grife e joias caras. Bom, pelo menos é isso que prega a igreja, tanto mais agora sob a liderança do humilde Papa Francisco – o que importa mesmo é a fé. De modo que não há mal nenhum em, durante uma missa, aparecer um sujeito ali, mal vestido e resfolegante, procurando um banco para sentar ou um lugar para se ajoelhar e ficar com ares de penitente. O suspeito do caso em questão teria desrespeitado o local e os presentes, entrando na igreja não exatamente para um ato devocional, mas para se foragir, e nesse momento tirando a concentração de inúmeros fiéis que ali estavam para a prática genuína do culto.

 

Mas a polícia, ao meu ver, esta sim teria cometido desrespeito ao culto, como também, e pior ainda, ocasionado a perturbação maior, atentando assim contra o preceito legal. Imagine o auê que deve ter sido, para os fiéis, ver policiais fardados entrando no recinto – policiais entram sim em igrejas, mas quando o fazem costumam ir lá à paisana, não a trabalho, fardados. Se a cerimônia religiosa não havia sido interrompida até então, certamente nesse instante deixou de haver tranquilidade para prosseguir, imagino.

Bem, o leitor e a leitora que passa mais tempo em frente à TV vendo esses noticiários voltados a acidentes, crimes, ações de policiamento, atividades bandidagem, bem como leitores policiais ou seus familiares estarão pensando: “Mas esse cara está do lado do bandido, defendendo que a polícia então deixasse o ladrão tranquilinho na igreja, para ele escapar?” Nada disso. Acredito que todos devem pagar por seus crimes. Vejo o trabalho da polícia como único meio confiável para se promover a segurança pública; não acredito muito em segurança privada – veja o caso das milícias do Rio de Janeiro. É papel da polícia nos proteger. Porém, penso também que até mesmo a polícia – autorizada a, quando necessário, fazer uso da força, a disparar armas – precisa sopesar os prós e os contras, em diversas ocasiões cruciais de decisão.

(A tendência em muitos casos é valorizar religiões mais presentes no nosso meio, em detrimento das demais. Mas o respeito é devido a todas as religiões, sem distinção.)

Na perseguição de que estamos tratando, o calor do momento teria levado os policiais a entrarem na igreja. Totalmente compreensível; não é nossa intenção crucificar a polícia. Mas haveria outra maneira de resolver a situação? Tudo leva a crer que sim. Há relatos, na história policial, de variadas campanas montadas para prender acusados... justamente saindo de igrejas! Tudo para respeitar o direito de quem está lá dentro, concentrado, sem nada a ver com os conflitos, crimes e intrigas que permeiam o mundo secular, incluindo o entorno da igreja, naquele sagrado momento. Seria mais trabalhoso, mas os policiais – em respeito a talvez centenas de pessoas ali em hora de devoção – poderiam ter “fechado o cerco” em torno da igreja, com seus homens, e aguardado o final da missa para capturar o bandido. Esperado o cântico final. Teriam assim desempenhado o seu papel e também mantido intacto o direito dos fiéis, que vão a uma igreja para usufruir de instantes em que parecem se desligar do mundo. É o que penso e mediante as informações do fato das quais disponho. Uma reflexão, sobretudo, que não privilegia um só ponto de vista e a fim de que inspire, em situações futuras, policiais, outros profissionais e pessoas comuns a se lembrarem dos direitos em jogo quando pessoas estão celebrando sua fé, independentemente de qual religião professem.

* Formado em Letras Clássicas pela USP, escreve e lê por gosto e ofício: atua como redator e editor. Contato: agnaldoholanda@gmail.com

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